O ministro Alexandre de Moraes, personagem que dispensa grandes apresentações no cenário político brasileiro, decidiu mais uma vez provar que não é só no futebol que gostamos de emoções fortes. Determinou, com a energia de quem não teme fazenda de inimigos, a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Decisão, aliás, que só surpreende quem ainda acredita que este país preserva algum verniz de normalidade institucional.
Falando sério, do ponto de vista processual, há quem tente enxergar ilegalidade apenas pela ausência do carimbo do Procurador-Geral da República. Num país onde até a Constituição serve de papel de embrulho para decisões monocráticas, faltou apenas o PGR dizer amém, mas não há flagrante ilegalidade. Num mundo em que o rito é adaptado ao gosto do freguês togado, nada de novo sob o sol.
O problema mesmo mora debaixo do tapete do material e da razoabilidade. Num país já ridicularizado aos olhos do mundo – especialmente dos agora atentos Estados Unidos, preocupados com a ascensão de juízes justiceiros que flertam descaradamente com a Lei Magnitsky – a medida é, para dizer o mínimo, de um exagero constrangedor. Alexandre, sempre disposto a dobrar a aposta (e a mostrar o dedo em público como quem desafia o senso comum), acusa Bolsonaro de desobedecer às restrições impostas em julho: tornozeleira eletrônica e veto total às redes sociais. Pode até ser que o ex-presidente tenha dado suas escapulidas digitais, mas para justificar prisão domiciliar a toque de caixa? Tenha dó.
É curioso, antes das eleições de 2022, esse mesmo ministro falava em autocontenção, respeito às regras e proteção das liberdades. Palavras bonitas, jogadas ao vento lilás dos pseudolibertários de toga. Hoje, Moraes parece mais animado em usar o aparato estatal para influir na política nacional com um modus operandi digno de chefes autoritários espalhados pelo mundo – desses que fala bonito sobre direitos humanos enquanto exclui adversários, persegue desafetos e finge normalidade com uma caneta e um código penal na mão.
Para deixar tudo mais irônico, Moraes já é internacionalmente reconhecido como violador da liberdade de expressão e direitos básicos do cidadão – o que só fez render-lhe um desfile de sanções, inclusive sob a famosa Lei Magnitsky, honraria reservada aos que flertam com os mais nefastos regimes do planeta. Mas não faltam motivos, o desfile de decisões esdrúxulas e de posturas que fariam corar certos autocratas orientais só cresce, enquanto os colegas de Tribunal se calam na esperança de que o circo não lhes caia na cabeça.
É um espetáculo triste, à medida que o país se esfacela entre políticas pífias do Executivo e decisões arbitrárias do Judiciário, os brasileiros assistem, cada vez mais descrentes, ao desmonte da democracia. Alexandre, com sua fama de ditador, cultiva inimigos e fama de justiceiro midiático – sempre pronto a inovar no autoritarismo, a ridicularizar adversários e, claro, a ignorar solenemente o texto constitucional sempre que necessário.
Não bastasse todo esse cenário de decisões polêmicas e posturas hostis, cresce a percepção de que há, cada vez mais, uma conotação clara de censura embutida nesses gestos judiciais. Fica o paradoxo escancarado: enquanto sustenta o discurso democrático, o ministro age no sentido oposto de um dos pilares mais nobres de qualquer regime livre, que é o contraditório. A interpretação do que pode ou não ser dito acaba filtrada sob a ótica estritamente pessoal daquele que julga, tornando válido e exposto ao debate apenas o que melhor serve ao próprio pensamento – e todo o resto, banido, tachado, reprimido. O STF se converte, assim, em curador exclusivo da verdade pública, matando a essência do pluralismo político.
Enfim, sua decisão de prender Bolsonaro em casa, somada à coleção de outras tantas que já renderam fama e memes, é só mais um capítulo da tragédia institucional brasileira. O país, soterrado em decisões desproporcionais, caminha célere para o status de “pseudodemocracia”, onde vale mais a vontade de quem grita (ou grita com a toga) do que as tão faladas garantias do Estado de Direito.
E, enquanto metade dos brasileiros se diverte com as bravatas de um certo presidente e a outra metade se indigna com o autoritarismo togado, o povo, pacato, vai perdendo a paciência. O caldeirão está para entornar. Resta saber até quando Alexandre continuará testando o limite da tolerância nacional – e, quem sabe, se vai mesmo ficar por isso mesmo, ou se enfim o país vai acordar e dizer: basta.
Fábio de Alcântara, advogado
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